A tradição do silêncio sagrado

Por: Pe. Sidney Augusto Canto (*)




[caption id="attachment_19891" align="alignleft" width="93"] Pe. Sidney Canto[/caption]

Não vai longe o tempo em que eu ouvia, dentro de casa, que chegado o “tríduo santo” o barulho e as traquinagens de meninos deviam cessar. Quinta feira era dia de se arrumar e ir para o “Lava-pés”. Sexta era o dia de rezar a Via-Sacra, de ir à cerimônia da tarde da Paixão que terminava com a Procissão do Senhor Morto. Sábado era o dia de romper o “Aleluia” e de se corrigir as faltas cometidas nos dias anteriores. Domingo, enfim era a Páscoa, com chocolate, café da manhã farto e doces... Mas a grande preparação (muito desafiadora para nós) estava mesmo era no silêncio...


Hoje algumas pessoas acham que tudo isso não faz mais sentido. Vivemos numa sociedade de barulho, onde o silêncio parece não dizer mais nada para nossos corações. Ultimamente, senti isso, não na cidade, mas no próprio interior, onde a modernidade também já chegou e onde as tradições já estão se tornando, literalmente, coisa do passado. As matracas da sexta feira santa já perdem, em alcance sonoro, para a matraca da língua humana, que insiste em criticar, julgar, destruir, desanimar e até mesmo assassinar a vida do próximo.



Celebrar o tríduo santo é refletir sobre os fatos fundantes e fundamentais da nossa fé. É aprofundar o mistério da Redenção, que nos veio através de Jesus, o Cristo. É deixar que Deus fale ao nosso coração, por alguns momentos que sejam, mas que sejam momentos marcantes em nossa vida. Infelizmente, o homem moderno tende muito mais ao barulho do que à meditação e à contemplação.


Parece existir uma surdez da fé. Não se deixa mais que o ouvido escute a voz de Deus, que pretende chegar ao nosso coração. Os ritos vão perdendo o valor, o sentido... E vão sendo envolvidos em explicações desnecessárias. As tradições de nossos antepassados perdem o sentido diante das novas tecnologias, fazendo com que fiquemos muito mais tempo pensando em nós mesmos do que no outro, e em nossas relações de solidariedade para com o próximo.


Falta oração? Falta fé? Falta amor? Ou falta a coragem para, de fato, calarmos nossa boca e deixar que Deus fale com sua suave voz? Para saber a resposta, queiramos ou não, temos que fazer silêncio... Não o silêncio dos cemitérios. Mas, aquele silêncio que incomoda, que questiona e que nos coloca frente a frente com o amor verdadeiro, que silenciosamente permanece vivo e ressuscitado em nosso meio.


(*) É presbítero da Diocese de Santarém, membro da Academia de Letras e Artes de Santarém - ALAS e atual Presidente do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós - IHGTap.

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